Arthur César Pereira de Lira vive seus últimos meses como o presidente mais poderoso da Câmara dos Deputados. Nunca um presidente obteve tantos votos para sua (re)eleição, tamanha quantidade de dinheiro público em emendas (secretas) nem controle tão rigoroso dos temas capazes de nortear os rumos do país. Mas a que custo para a democracia brasileira?
Arrisco dizer que o principal ônus da gestão de Arthur César, sem dúvida, foi deslocar o Centrão da posição pedular de balizador da institucionalidade construída na redemocratização a partir da Constituição Federal de 1988.
Sob Arthur César, o Centrão abandonou o papel de moderador de diálogo para o de artífice de uma direita xucra, irresponsável e ambientalmente destrutiva. O Centrão como entendíamos não simboliza mais o centro democrático, que em momentos importantes ponderou a favor da maioria – sem que para isso rompesse com o “andar de cima” da elite brasileira.
O produto final da gestão de Arthur Cesar será herdar à Câmara o “Centrão da Direita”.
Um amigo me disse outro dia que o Centrão sempre foi de direita. Discordo. Esse agrupamento político reuniu, sim, integrantes da direita e da centro-direita a partir da flexibilização da Ditadura Militar que viria a culminar com a eleição indireta de Tancredo/Sarney, em 1985.
Mas participou da Constituinte com a responsabilidade que levou à criação do Sistema Único de Saúde (SUS), do arcabouço legal de defesa do meio ambiente nas décadas seguintes e do realinhamento econômico com viés distributivo por meio de programas sociais que mudaram a cara do Brasil a partir dos anos 2000.
O Centrão começou a assumir uma posição de franco atirador do caos em 2013, com a chegada de Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) à presidência da Câmara. Dilma Rousseff (PT) era presidente e, sob o argumento ralo de empoderar o Parlamento, o que se viu foi um movimento crescente de aves de rapina sobre o orçamento público com as emendas impositivas.
Na gestão de Alves, a MP dos Portos inaugurou com Eduardo Cunha (MDB-RJ) um modus operandi agressivo contra o Poder Executivo. Saiu de cena a institucionalidade, entrou o achaque barato do dá cá se quiser continuar no Planalto, mas sem mandar de fato. Dilma recusou-se e foi apeada do poder.
Cunha continuou o plano de “autonomia” do Parlamento com o impeachment de Dilma. Estava ali o embrião direitista que, em 2018, elegeria Jair Bolsonaro. “Que Deus tenha misericórdia dessa nação”, disse cinicamente ao votar pelo afastamento de Dilma. Mas Cunha deixou o projeto de direitização do Centrão inconclusivo para passar férias na prisão.
Rodrigo Maia (DEM-RJ) não teve competência nem inclinação para seguir na investida. Não resistiu à criação do Orçamento Secreto na gestão bolsonarista, é verdade. Mas teve a honradez de enfrentar a sanha autoritária de Jair Bolsonaro.
Arthur César foi diferente. Ele ampliou o segredo orçamentário. Político de direita moderado, viu na ascedente evangélica e conservadora a oportunidade de ampliar o cacife da “independência” do Parlamento e, consequentemente, seu poder. Lubrificou assim o espírito patrimonialista dos deputados, enquanto apoiou veladamente o caos das teorias antiquadas de grupos conservadores e autoritários para se posicionar no tabuleiro da política como hábil e necessário jogador.
Arthur César não se ruborisa diante de pautas aberrantes, como tonar aborto em crime de homicídio ou a remarcação de reservas indígenas ou o desmatamento de áreas nativas não florestais. Todas agendas do Centrão da Direita.
Arthur César cacifou-se num nível impensável. Ele pode tudo. Até fazer (na surdina) um acordão no fio do bigode com planos de saúde, sem consultar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que pode resultar em mais uma tungada nos direitos dos consumidores. A ver.
Mas Arthur, cujo segundo nome é César, não é imperador de verdade. Em fevereiro de 2025, terá de deixar o comando da Câmara. O comportamento truculento na condução do plenário abre, aos poucos, brecha para políticos mais moderados surgirem no cenário de sucessão.
A questão é se o presidente Lula terá força para apoiar um nome que não seja do grupo de Arthur César. Uma reforma ministerial no segundo semestre pode ser decisiva se o Planalto optar por entrar na briga de tentar fazer o Centrão voltar para o centro.
O PT errou no governo Dilma ao forçar um nome do partido para disputar contra Cunha. Criou-se ali o argumento de que o Executivo se intrometia numa escolha interna do Parlamento. Lula não é Dilma, embora a aprovação de seu governo não seja das melhores. Pesa a seu favor o fato de não haver movimento de massa nas ruas contra o chefe do Executivo, embora ele esteja acuado e aturdido pelos socos constantes de Arthur César e do Centrão da Direita.
Se souber emplacar um nome de outra legenda, como Antônio Brito (PSD-BA), Lula terá a chance de tirar a Presidência da República do corner para voltar centro do ringue. Mas isso exigirá do presidente movimentos sutis e firmes na direção certa, sob argumento de que o realinhamento do Executivo com o Legislativo é vital para a manutenção da estabilidade democrática no Brasil. A reforma ministerial pode ser o dobrão de ouro a se pagar por um novo pacto institucional. Será que Lula consegue sacar essa moeda de sua desgastada algibeira política?